Foi numa manhã que
ele viajou. A vó na porta a limpando as lágrimas no
pano, tio Carolino parecia não ligar, só o tocou no ombro. Lucinha chorou,
pulou no pescoço, encheu o irmão de beijos, fazendo-o rir de seu
alvoroço. Precisavam lembrá-la que tratava-se da ida do irmão e não
seu retorno.
Fiquei
escondida no canto, por detrás da avó. Sentia o peito acelerado... uma
dificuldade de respirar e um som no ouvido que me fez sentar no braço do sofá.
Ele buscou o meu olhar algumas vezes, não na intenção de me arrancar alguma
expressão de despedida, pois ele sabia que seria inútil, mas na intenção
de desculpar-se. No fundo ele sabia que eu era quem mais sofria, tanto que já
ia descendo as escadas quando voltou e me deitou um beijou na face, tão
inesperado que me desconcertou completamente. Depois foi sumindo na névoa da
manhã. O tio entrou arrastando o chinelo e já era outro de frente pra caneca de
café. Avó foi "cuidar da vida" e Lucinha deitou no chão com o
gato enquanto chupava o dedo. " Uma vergonha uma moça daquele tamanho
chupando dedo!"
Fiquei
olhando o vazio como se eu o visse , ou se esperasse o seu retorno para
aquela manhã ainda. Sabia que isso seria cruel para mim. Sabia que a casa
haveria de perder a graça. As tardes debaixo do pé de jamelão, as conversas na
varanda. E foi mesmo assim que aconteceu. Não havia mais a alegria !
Nos
tempos de sua estadia em casa, sempre que ele vinha de fora, eu ia para o
quarto da vó e de lá ficava ouvindo suas besteiras e ele falava alto para eu
escutar, e eu fingia dormir pra não dar confiança, mas sua presença era a luz
da minha existência.
Teve
o dia que chegou a carta: ele dizendo que tinha sido bem recebido na casa do
Tio em Belo Horizonte. Que o tio o levara para a firma. Que a cidade era
bonita. Que estava bem. "Que estava bem!" me encheu de revolta. Eu
não estava bem! Parecia agora uma caveira. Lucinha me chamava de palito e avó
passava a costura nas minhas saias.
Não
tardou a segunda carta, efusiva falando da nova vida, das primas mineiras.
Cristina era a prima mais bonita. _ Achei que escreveu isso para me atormentar.
Igual quando roubava a carne do meu prato no almoço de domingo ou quando
escondia minha roupa do banho .
O
tempo passou e fui me acostumando a vida sem sua presença. Voltei a frequentar
a varanda e por fim a sentar-me na sombra do pé de jamelão. Voltei até sentar
na pedra no fundo do terreno, e foi ali numa tarde, quando eu não mais
esperava, que senti seu beijo de novo em meu rosto.
Veio
de mansinho, no seu passo silencioso de ladrão de pratos e me tascou o beijo
rapidinho.Tão rápido como a lágrima que me traiu, a lágrima que se desculpou
pela frieza da despedida e se aventurou em dizer tudo que eu mesma jamais
diria!
"Quem
chegar por último é mulher do padre" disse e puxou carreira. Era seu modo
de me poupar. Não era à toa que era o meu favorito. Foi exatamente assim
que se apossou da minha alma. E nossas conversas mais profundas sempre se deram
dessa forma: sem palavras.
Um
choro de criança me balançava toda, escondia o rosto na mão e uma alegria do
tamanho do céu azul se estendeu sobre a minha alma...estava tudo bem, a vida
voltara pra mim e o que eu mais queria, meu Deus...era parar de chorar!
(Mariani
Lima)